Com razão, muitos dos nossos concidadãos perguntam-se se é necessária a proibição do burka ou de qualquer outra prenda que oculte o corpo até o ponto de fazê-lo irreconhecível. Sem embargo, até o dia de hoje, não se têm plantejado com a suficiente seriedade estas duas perguntas: que escondem o burka e as prendas que lhe são semelhantes? Qual é o propósito destas camuflagens?
Que é um ser humano? Resposta: um rosto. É possível definir o homem com uma multidão de características como podem ser a razão (Aristóteles), o trabalho (Marx), o desejo (Spinoza), a política (outra vez Aristóteles), a inventiva técnica (Bergson), o ser (Heidegger), mas smelha que nada se aroxima tão essencialmente à verdade humana como a afirmação de Levinas: o ser humano é um rosto. Antes que ser razão, trabalho, desejo, animal político, animal trabalhador, animal artesano, etc. Todo homem, no sentido genérico da palabra, é um rosto. Cumpre tomar nota de que D’us, na Bíblia, é aquele cujo rosto não amosa e a quem ninguém pode nunca ver o semblante: Deus absconditus.
Um rosto é uma aparição, a de um ser humano a outros seres humanos. Não é algo trivial, nem também não animal, é uma entidade da que sabemos decontado que é ao mesmo tempo um sujeito e uma realidade única, em definitiva, um ser humano. Poderia-se dizer que uma alma. Esse rosto único indica uma singularidade global: um corpo único, um sujeito ou uma alma únicas. Tudo isto, o sujeito, o corpo, a alma, aparecem simultaneamente com o rosto. Nada mais verdadeiro: o homem, a mulher, e a criança são seres que se nos aparescem.
Não olhamos aos outros como olhamos aos animais, plantas ou estrelas. Olhamo-los de modo que se produz um acontecimento: nós aparecemo-nos os uns aos outros. A aparição do rosto, do corpo e da alma que há detrás, realiza-se na reciprocidade. Eu aparesço-me aos demais e os demais aparescem-se-me a mim. É graças a este aspecto de reciprocidade que cada um e cada uma se interessa na humanidade. Assim, a aparição recíproca funciona melhor que o vínculo social: realiza o vinculo humano. Dito doutra maneira, ela conforma a cada um e a cada uma como uma pessoa. Assim pois, é a base sobre a que se desenvolve a ida de cada homem e cada mulher como pessoa.
Pelo geral, a roupa fabrica-se para impedir a visibilidade e a capazidade de aparescer-se. Demassiado perto da biologia e da animalidade, os corpos espidos seriam um obstáculo para a aparição, já que desprazariam o rosto a um segundo plano. A roupa modera a violência biológica do corpo espido, mentres que proporciona uma subjectividade útil –alguns diriam que a alma- para fazr-se visível. Neste sentido, a roupa produz um efecto análogo na manifestação, isto é ao que os espiritistas, os seguidores de Allan Kardec, têm chamado “realização”: permite que a alma individual e a intimidade do sujeito se fagam visíveis. Paradoxalmente, ao impedir esta “materialização”, o burka e qualquer outro véu integral são prendas ánti-roupa.
O burka é um conjunto de negações: a negação da matéria ou da alma, a negação do orpo, a negação do rosto; o burka proíbe a sua aparição. Que é realmente o que aparesce quando contemplamos uma pessoa com burka? Qualquer outra coisa que o rosto dessa pessoa, a sua alma ou corpo; uma forma informe, uma silueta vaga e escura como procedente do inferno. Mais importante aínda, o burka faz algo mais do que retirar as olhadas da que o porta das olhadas dos demais: retira-as da reciprocidade das apariências, da base da existência humana. Da comum pertença à humanidade. O burka retira-as do intercâmbbio de rostos.
Se ao ser humano o definimos pelo rosto e à pessoa pelo reconhecimento recíproco dos rostos, o burka apresenta-se-nos como uma negação da humanidade. Este cárcere ambulante, esta cela de prisão, indica-nos, antes que naa, que a pessoa dentro da prisão não é um ser humano como todos os demais. Cumpre ver nesta parálise da reciprocidade o núcleo do dispositivo, o elemento desumanizador decisivo: quem se vê obstaculizada por um burka, olha sem ser olhada. Ao eliminar a visibilidade recíproca da comunicação dos rostos, as mulheres às que se les impõe o burka ficam eliminadas, ipso facto, da humanidade.
ROBERT REDEKER
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