05/10/09

A MENINA DE ROBERT CAPPA



Numa célebre fotografia de Robert Cappa, tomada em 1949, uma pequena em harapos chora diante dumas tendas de campanha em pleno deserto. Como este documento gráfico forma parte duma série intitulada “Campos de refugiados em Palestina”, a maior parte dos arquivistas acreditam aínda que se trata duma refugiada árabe. De facto, Cappa e a maior parte dos seus colegas utilizavam indistintamente, nessa época, os termos Palestina e Israel. A cena desenvolve-se em Israel, não em Cisjordânia ou Gaza. A rapariga é uma refugiada judia. Originária dum país árabe.

A finais dos anos quarenta, mais dum milhão de judeus viviam nos países do Islám, desde o Magreb até Afeganistão: mais de 600.000 no Magreb e Líbia, perto de 150.000, respectivamente, em Turquia e Iran, 100.000 no Egipto e no Yemen, 60.000 em Síria e no Líbano, 40.000 em Afeganistão. Esta população - Edoth ha Mizrah em hebreu, « Comunidades do Oriente», praticantes maioritariamente de ritos sefardis- tiveram um forte crescimento demográfico nos anos 60, depois dum crescimento mais moderado: multiplicaram-se por mais de três em 60 anos, e constam actualmente com 4 milhões de almas. Mas já não residem nos seus países de orige: apenas ficam de 3.000 a 4.000 judeus em Marrocos, alguns centos em Tunísia, 20.000, respectivamente, em Turquia e Iran, alguns centenares em Síria e no Yemen. Quer dizer: 0 3% ou 4% da cifra originária. Os demais, mais do 95%, têm partido ao exílio, em oleadas sucessivas ou simultâneas. As duas terzas partes de eles têm-se refugiado no Estado de Israel. A outra terza parte tem-se instalado em Europa –especialmente na França, Itália e a Grande Bretanha-, mas também nos EEUU, Canadá, América Latina, a África subsahariana ou em Austrália.

Afirma-se habitualmente que esse éxodo foi conseqüência indesejada do conflito árabe-israeli, e que a expulsão de judeus foi seguida, seguindo a lei do talião, pelo dos árabes palestinianos. Na realidade, a expulsão das Comunidades de Oriente comezou antes da fundação do Estado de Israel em 1948. E tal como têm sinalado Laurent e Annie Chabry em “Política e minorias no Meio Leste” (Maisonneuve et Larose, 1984), um dos livros mais incisivos sobre a questão, isso sucedeu no quadro dum “efecto pêndulo” geopolítico que permitiu à maioria muçulmã, impulsada por um rebrote demográfico, “vingar-se” da emancipação e do ascenso social que beneficiara às minorias não muçulmãs, grazas à protecção occidental, tras o século XIX. Os cristãos sofriram uma longa série de tragédias, desde o genocídio amênio até o genocídio asírio, daquele à perseguição dos coptos, das atrozidades de Dammour à velada limpeza étnica dos cristãos em Cisjordânia tras a posta em prática, a partir de 1994, da Autoridade Palestiniana. Os judeus não têm ficado atrás. Em quase todos os países muçulmãos, padeceram distintas formas de violência (incluíndo progromos), encarceramentos e perseguições. Os Governos adoptaram medidas legislativas ou regramentárias encaminhadas a acelerar o seu éxodo –mas também a confiscar os seus bens. Nalguns países –e não precisamente os menos- as autoridades cooperaram depois de 1948 com as organizações sionistas ou o Governo de Jerusalém a fim de transferir directamente a sua população judia a Israel.


Passados alguns anos, muitos judeus originários de países do Oriente, consagraram a data do 1 de Junho (5 de Sivan no calendário judeu) à comemoração da sua expulsão. Efectivamente, foi no 1 e 2 de Junho de 1941, momento da Festividade de Shavuot e sete anos antes da fundação do Estado de Israel, que uma das comunidades mais antigas, numerosa e próspera do mundo árabe –a Comunidade de Irak- sofreu um progromo sem precedentes, o Farhoud, comprendendo imediatamente que não tinha já um porvir naquele país.

Quantificam-se em perto de 150.000 os judeus de Irak a comezos dos anos 40 –o 3% da sua população total, então estimada em 4’5 milhões de almas. A metade de eles viviam em Bagdad, de 20 a 30.000 no Kurdistão, e perto de 50.000 no resto do país. Contavam com elites anglófonas tras o século XIX, o que lhes fixo gozar da confiança do primeiro soberano do recém criado país, o rei hachemita Faissal ibn Hussein. Numerosos judeus eram chefes de empressa, engenheiros, advogados, banqueiros, altos funcionários. Alguns eram deputados, senadores e inclusso ministros. Outros eram escritores, jornalistas e músicos. Mas a situação começou a degradar-se em 1933, quando Ghazi Ier, playboy aficionado aos uniformes de gala, os automóveis velozes e os aeroplanos, sucede a Fissal. O novo soberano acredita que consolidará o seu trono se se apoia no nacionalismo árabe e no islamismo, assim como se aproximando à Alemanha hitleriana, multiplicando as medidas contra os não-muçulmãos. Morre em 1939 num misterioso accidente de tráfico. Mas o extremismo, e o seu corolário o ánti-semitismo, já estám instalados no coração da vida política iraki.

Em Marzo  de 1941, um político pro-alemão, Rashid Ali al-Ghaylani, trata de impôr uma nova ditadura. Quando os britânicos o derrocam, três meses depois, o “Farhoud” (“Grande Saqueo”) sacude Bagdad durante dois dias, o 1 e 2 de Junho. Semelha ter sido minuciosamente organizado durante as últimas semanas do regime de Rashid Ali, que pretendia quizá preparar desta maneira a entrada oficial de Irak na guerra posicionando-se com as forças do Eixo. As residências e comércios judeus foram marcados com uma mão vermelha, e unidades de progromistas, encabezados por militares e estudantes membros da organização pro-názi Al-Futuwwa, controlavam cada bairro da capital; vários destes distritos foram saueados e incendiados. Perto de 200 judeus foram assassinados, mais de 2.000 feridos ou mutilados, centos de mulheres e meninas violadas.

Em 1947-1948, Irak toma parte na primeira guerra contra Israel, apesar de não terem fronteiras comuns. Em Marzo de 1950, uma lei especial permite aos judeus emigrar, a condição de renunciar à sua nacionalidade e abandoar as suas propriedades: as próprias autoridades cooperaram a tal fim com os israelis. Perto de 90.000 marcharam em menos de um ano, através de diversas pontes aéreas. Em Janeiro de 1951, uma cadeia de atentados provocou o éxodo de 30.000 judeus mais. O resto partiu ao exílio nos anos 60, tras a caída da monarquia. Mais do 90% dos judeus de Irak acharam refúgio em Israel. O resto instalou-se na Grande Bretanha e nos EEUU.

A mesma situação se repetiu do Atlântico a Pamir, na Ásia Central. Caberia falar dum “intercâmbio de populações” global entre o mundo islâmico e Israel. Só há uma objecção: a iniciativa foi unilateral por parte do primeiro; e, para além disso, os refugiados judeus integraram-se, ao cabo dos anos, no seio da sociedade israeli.

Mentres, os refugiados árabes têm perpetuado a sua situação como tais, com finalidades políticas e estratégicas mais que evidentes.


MICHEL GURFINKIEL

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