31/12/09

“ÉXODO” NÃO TEM NADA A VER COM A REALIDADE



Ike Aranne (antes Yitzhak Aronowicz), capitám do “Éxodo” falecido a passada semana, dixo nesta entrevista celebrada no seu fogar de Zichron Ya'acov em Novembro de 2008 que nem a novela de Leon Uris, “Éxodo”, nem o filme protagonizado por Paul Newman têm nada a ver com a realidade dos factos.

Que o levou a se converter num homem de mar?

Foi totalmente casual. Quando tinha 17 anos queria combater a Hitler. Mas não desejava fazê-lo desde a Brigada Judia do Exército Britânico, porque nos destinavam a postos de segunda orde. Portanto optei por desprazar-me a Odessa e alistar-me no Exército Vermelho. A tal fim, subim de polizão num barco Solel Boneh [companhia de construcção da central sindical Histadrut], mas fum descobertro no trajecto e enviado a casa. Uma vez de volta, todo o mundo dizia que só procurara protagonismo e impressionar à gente. Estava tão avergonhado por isto que embarquei numa nave palestiniana que fazia o trajecto Haifa-Tobruk (Líbia).

Subiu singelamente ao barco e dixo que queria ser marinheiro?

Não, não foi tão simples. Houvem de subornar a um tipo chamado Perlman dando-lhe o salário de todo um mes para lográ-lo. Tras navegar em vários barcos, figem os meus cursos de oficial em Londres –de oficial terceira, segunda e primeira. Em 1942, quando regressei a Israel, ouvim falar do Palmah [primeiro regimento mobilizado pela Haganá, e precedente das IDF] que tinha uma ponla naval denominada Palyam, e enseguida quigem munir-me a eles. O meu amigo [cofundador do Palmah, e o seu primeiro comandante] Yitzhak Sadeh, ajudou-me. Por aqueles dias haviam outros judeus que embarcaram, mas como forma de ganhar-se a vida –não como parte dum projecto ideológico sionista. Total, que o Palmah carecia de marinheiros. Dado que já tinha oito meses de experiência marítima, fum considerado praticamente um experto.

Que me conta do “Éxodus”?

Era o primeiro barco que capitaneava. Seis meses antes, alcanzara o grau de oficial primeira, e apenas faltavam-me quatro para alcanzar o grau de capitám. Mas, dado que o barco era das Honduras –onde não tinham uma regulação tão estrita- pudem consegui-lo. Se aquele mesmo barco tivesse levado bandeira britânica no canto de hondurenha, não poderia ter alcanzado o rango de capitám, porque eles exigiam sete anos de navegação para obter o título, e eu só tinha seis e meio [Aranne está-se referindo ao facto de que tras obter a Haganá este barco procedente da armada estadounidense, que o atracara tras os seus servizos na invasão aliada de Normandia, o Consulado hondurenho dou-lhe permiso para navegar sob a sua bandeira].

Qual foi a sua experiência no barco?

Tínhamos um comandante que fora enviado por David Ben-Gurion. O seu nome era Yossi Harel [a personagem de Ari Ben-Canaan, interpretada por Paul Newman, está vagamente inspirada nele]. Morreu há um ano. Era um comisário político que fora destinado ao barco para supervisar aos palmahniks, aos que Ben-Gurion considerava um tanto incapazes. Nós dissemos-lhe que se fosse ao caralho; era um tipo que nem sequer sabia como era um barco por dentro, nem muito menos como funcionava –embora mais adiante cursaria estudos de engenharia naval. Em todo caso, estava obsesionado com que o barco ía ir a pique. Eu dissem-lhe que deixasse de dizer parvadas, que o barco não afundiria.


Por que acreditava que ía afundir?


Porque os britânicos figeram-no embarrancar umas vinte vezes, e a água entrava por alguns sítios. Mas eu tratei de explicar-lhe que o bar co não tinha danos sérios. Este barco –chamado originariamente “The President Warfield – foi construído para águas pouco profundas. [Chamado assim em lembrança do presidente da navieira da Chesapeake Company, fora inicialmente um navio de luxo que fazia o trajecto entre Baltimore, Maryland e Norfolk, Virginia, durante os anos 1928-1940. No período 1940-1941, foi reconvertido num barco de subministro da armada britânica, sendo depois asignado à armada estadounidense, onde tomou parte na invasão aliada de Normandia. Foi precisamente a esqüeta tripulação do barco o que chamou a atenção de Aranne, que o viu por vez primeira em Baltimore o ano 1946, e o adquiriu para a Haganá com o propósito de transportar refugiados judeus a Palestina. Ao estar desenhado para águas pouco profundas era idôneo para aproximar-se à costa de Palestina, inaccesível para barcos pensados para navegar em águas profundas]. Em qualquer caso, o certo é que Harel não era um homem de mar, e não sabia nada desse mundo. Mas acreditava que o barco ía afundir, e Ben-Gurion dixo-lhe que se rendesse. E rendeu-se.

Como lhe fixo sentir?

A tripulação e eu estávamos em contra. Foi essa rendição a que levou à ONU a dividir Palestina.

Qual era a sua opinião de Ben-Gurion ?

Ben-Gurion é considerado um grande e intrépido dirigente, algo que é uma completa falsidade. Ele acreditava que o povo judeu, sem o apoio dos EEUU e a ONU, estava condeado –o qual é ridículo. É agora quando estamos acabados.

Que momento lembra mais vivamente do episódio aquele?

O mais emocionante e terrível momento foi quando Ben-Gurion ordeou a Yossi Harel que se rendesse e, portanto, a nossa rendição.

Lembra claramente aquele dia?

Cada minuto de ele.

Entrevistou-no Leon Uris na procura das suas lembranças antes de escrever o livro?

Sim, fixo-o em 1956.

Que saíu daquela entrevista?

Dissem-lhe que era um afamado escritor, mas não um historiador e que, portanto, não era o mais adeqüado para escrever a história do “Exodus”.

E como reagiu quando você lhe dixo isso?

Muito ofendido. Mas, por suposto, eu insistim na minha certeza e, a fim de contas, escreveu uma grande novela, mas que não tinha nada a ver com a realidade.

Tão inexacto era?

Digo-lhe que não tinha nada a ver com o sucedido –não só no que à minha história se refire, senão com o acaecido na sua totalidade. O sucedido no “Exodus” levou à Comissão Especial da ONU em Palestina a dividir o país em dois Estados. O Palmah estava contra esta decisão, como também o estavam o Lehi [o grupo de Stern] e a IZL [Irgun]. Nós sustentávamos que Israel já fora dividida numa ocasião em 1920 por Ben-Gurion e Jaim Weizmann tras a declaração feita por Balfour em 1917 favorável a um Estado judeu. E a Declaração Balfour era partidária de entregar-nos Palestina como o nosso fogar nacional judeu. Isso incluia toda Transjordânia –oito vezes o tamanho de Palestina, habitada naqueles dias por apenas 15.000 beduínos nómadas. Mas Ben-Gurion e Weizmann decidiram entregar-lha ao tipo aquele do Hejaz, o Emir Abdula, que nem sequer era de Jordânia. E assim foi como o Reino de Jordânia foi criado em 1920, contra a decisão da Liga das Nações em 1917 de asignar Palestina ao povo judeu como sede do seu fogar nacional.


Uma entrevista de RUTHIE BLUM LEIBOWITZ

26-12-2009

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