03/01/10

A ERA DO ÉXODO REMATOU


Não sou capaz de lembrar quem me recomendara lêr “Exodus” quando era um rapaz. Mas fiquei impactado pelo livro, e alguns anos depois, quando vim o filme fiquei cautivado. Provavelmente só o volvim ver uma vez desde aquela (muito antes da aparição do VHS), mas foi mais que avondo para formar-me uma impressão duradeira sobre Israel. Como se estivesse tirada da litúrgia de Janucá, Israel semelhava o relato do trunfo do débil sobre o poderoso, dos poucos sobre a multidão, dos rectos sobre os perversos. Era uma história embuída de claridade moral, do sentido duma missão e um destino. Era, simplesmente, a Israel na que eu acreditava cegamente antes de conhecê-la.

Muitos anos depois, aos comezos da década que vem de rematar, trasladamo-nos a Israel. Um dia, dois dos nossos filhos volveram a casa da escola. A Intifada estava no seu apogeu; eram pequenos e sentiam-se confundidos, feridos e asustados. Então, decidim que alugar “Exodus” poderia ser a terápia que necessitavam.

Apenas comezado o filme, notei que a minha sessão pedagógica ía fracassar. Aos rapazes aburria-lhes a fita, decepcionados pela sua primitiva tecnologia. A linha argfumental semelhava-lhes insípida, edulcorada. Mas, aínda pior, o filme não lhes reflectia a conplexidade do conflito que estavam vivendo. Tratei de que figessem um esforzo, mas foi em váu. Na realidade, nem eu era capaz de sobrepôr-me à carência de empatia. Não rematamos de vê-lo; esbozei uma espécie de desculpa por fazer-lhes perder o tempo, e devolvim a fita sem grandes fanfárrias.

Têm passado uns quantos anos desde aquela fracassada sessão pedagógica, mas volveu-me à memória com grande intensidade a passada semana quando me inteirei da morte de Ike Aharonovitch, o capitám do Exodus. O comandante do barco, Yossi Harel, morrera um ano ou dois antes. Leon Uris, o autor da novela, em 2003, e Paul Newman, que interpretara a Ari Ben-Canaan no filme na versão cinematográfica faleceu em 2008. Portanto, com a morte de Ike, a era do Exodus rematara.

Para a minha surpresa, sentim-me assaltado por uma tristeza maior do que cabia agardar.

Se eu crescera com “Exodus”, meus filhos têm-no feito com “Munich” e “Waltz with Bashir”. Eu crescim com uma idílica image de Israel personificada em Ari Ben Canaan, elaborada no exílio. Os nossos filhos, sem embargo, cresceram aquí. E esta década recém terminada, na que se converteram em adultos, começou com a 2ª Intifada, seguiu com a “desconexão” e depois com a problemática 2ª Guerra do Líbano, para rematar nestes dias com o assunto Shalit, o imprevisível Iran e uma condeia internacional sem precedentes contra aqueles combatentes que no Exodus alcanzaram o seu maior momento de autoestima. A morte de Ike é, portanto, a metáfora perfeita –a sua morte é uma lembrança de que o mundo no que eu me criei tem desaparecido quase por completo. Os nossos filhos estám ocupados estes dias. Um na escola judicial e ultimando o seu matrimônio, outro no exército e apenas desperto os dias que pode vir a casa, e o outro trabalhando nos seus exames de matrícula, pensando no que fazerá quando se gradue. Em muitos sentidos, eles conhecem muito melhor que eu este país, e não sintem muita inclinação a perder o tempo com as sessões pedagógicas do seu pai.


Contudo, estou tentado a intentá-lo de novo. Sei que não sucederá, mas aínda os imagino, brindando pelos velhos tempos, quizá como uma concesão face os seus velhos pais, sentados conosco dispostos a ver por última vez “Exodus”. Pediria-lhes que obviassem o velho estilo de história de amor hollywoodiense, que tratassem de não rir nas cenas do noble árabe com a sua toga e kefya na terraza do Hotel Rei David, e que deixassem um rato à marge os seus comentários políticos sobre a óbvia simplificação do conflito. Por que? Porque a pesar da simplificação e o edulcorado da trama incidental, “Exodus” transporta-nos a um mundo que existiu, embora já não exista. É um recordatório dos dias em que os jóvenes judeus dos EEUU sabiam que a história que estava tendo lugar além do ocêano era também a sua história –algo que já não podemos hoje garantir. Transporta-nos aos dias em que os judeus estadounidenses e os judeus israelis sabiam que a história era complicada, mas sabiam também, com toda a força do seu ser, que o futuro judeu dependia da soberania judia. Era uma época na que através do mundo os judeus ainda acreditavam na possibilidade dum genuíno liderádego, quando as massas judias podiam falar sem se avergonhar da justiza fundamental da nossa causa.

Os nossos rapazes, e a maioria dos seus amigos, aínda acreditam nessas coisas. Mas têm aprendido que a maioria da gente não o faz; muitos consideram-no ingênuo –ou algo pior. “Exodus” é o vestígio duma época na que o mundo era diferente. A forma de fazer filmes tem cambiado, ao igual que o próprio mundo. Devido a isso, a paz e a justiza são conceitos mais elusivos hoje do que o eram daquela. Como os nossos tempos, Ike Aharonovitch era um tipo complexo. De não ser por Harel, ele provavelmente teria mandado a pique o barco com o seu passagem dentro. Nós também somos propensos aos extremos. Mas o seu legado é importante porque ele acreditava nos Judeus, no seu Estado aínda incipiente e na justiza fundamental da sua causa.

Ninguém de nós poderíamos escrever a novela de Leon Uris hoje em dia, mas isso não é excusa para não ter uma história que contar. A memória de Ike exige que retomemos a narrativa –quizá baixo outras formas, mas sem pedir desculpas por insistir na justiza fundamental da nossa causa.

Os meus filhos provavelmente nunca vaiam ver “Exodus”. Assim que lho direi nestas linhas: estamos em dévede com Ike, e com os seus contemporâneos. Assim que, mentres começa uma nova década, a nossa obriga para com ele é muito singela. Dalgum modo, temos que ré-encontrar a coragem e a fortaleza para acreditar e levar a cabo o sonho que a sua geração viveu e nos transmitiu a todos nós.


DANIEL GORDIS

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