09/01/10

O ESTADO PALESTINIANO JÁ NÃO É POSSÍVEL



Sari Nusseibeh, docente da Universidade Al-Qods de Jerusalém e destacado intelectual palestiniano, foi o autor em 2002 dum plano de paz elaborado junto com Ami Ayalon, ex-chefe do Shin Bet, o servizo de seguridade israeli.

LE FIGARO. – A questão de Jerusalém, que tem ressurgido em 2009, não complica o reinício das negociações entre palestinianos e israelis?

SARI NUSSEIBEH. – Todo o mundo fala da questão de Jerusalém. De súpeto, aparece como o problema principal. E que as soluções a esse problema já não são as que eram. A cidade tem experimentado um câmbio radical: a situação de 1967 já não tem nada a ver com a actual, e a partição agora é muito mais dificil.

Quais são esses câmbios?

Geograficamente, a supeerfície da aglomeração tem passado de 20 a 50 kms. quadrados: nesta Grande Jerusalém, os israelis têm edificado ao leste 13 bairros novos, onde vivem na actualidade 250.000 judeus, comunicados entre sim por vias rápidas. Arrodeam os seitores árabes de Jerusalém Leste e mantêm-nos incomunicados. Os israelis têm criado também um conceito de “cubeta sagrada”, que reagrupa o bairro muçulmão da Cidade Velha e os bairros colindantes, conformando o núcleo da Jerusalém árabe. Levam a cabo uma política activa de expulsões, destrucções e expropriações, fazendo mais e mais dificil uma eventual partição de Jerusalém.

A solução dos dois Estados é sustentada, porém por todo o mundo.

Em 1967, um dos primeiros partidários da solução dos dois Estados foi Uri Avnery (figura histórica da esquerda pacifista israeli). Naquela época ninguém o apoiava. Quatro décadas depois, as suas ideias têm experimentado um imenso éxito, pois são defendidas hoje em dia pelo mundo inteiro, inclusso pelo Presidente dos EEUU. Mas, durante o tempo transcorrido, a possibilidade de estabelecer dois Estados tem-se evaporado. Aínda não excluíndo a possibilidade duma miragre, não acredito pessoalmente que essa perspectiva seja implementável.

Isso é resultado da política de colonização israeli?


Os israelis têm aplicado em Cisjordânia a mesma política que em Jerusalém. Esta extraordinária genialidade colonial tem-se feito em detrimento das populações. Os sionistas negam-se a construir uma genuína democracia e a enraizar-se na região.

Que será dos palestinianos sem Estado?

Dá-se uma paradoxa: em 1948, os israelis queriam criar um Estado sem palestinianos, e estavam dispostos a expulsá-los. Em 1967, a sua vitória reunificou aos refugiados com os que ficaram em Israel. Estávamos dispersos, e eles reuniram-nos. Os israelis vam fracassar afogados no seu éxito. A colonização de Jerusalém e Cisjordânia, que faz impossível uma solução de dois Estados, vai obrigar a Israel a coabitar com uma considerável população árabe e a pôr em questão o seu sistema democrático.

Porque têm fracassado os palestinianos?

Temos fracassado, é certo, em parte a causa da nossa incapazidade negociadora ou de entender o que é uma negociação, e em parte a causa da nossa corrupção. Jogando à política, perseguindo a criação dum Estado, temos deixado degradar.-se de maneira considerável as condições de vida da nossa população. Há vinte anos, os palestinianos de Gaza não tinham nenhum direito político, mas podiam desprazar-se a Cisjordânia ou, inclusso, a Tel Aviv para trabalhar, ir à praia ou a um restaurante. Mas também temos fracassado a causa do bando contrário, que não queria conceder-nos nada. Hoje em dia, a dinâmica israeli é contrária a toda concessão. Não acreditam já na necessidade dum compromiso. Os israelis só pensam agora em termos maquiavélicos, considerando que a força é a única coisa importante, que é a única garantia da sua supervivência. Por que haveriam de estar interessados numa negociação?

O seu plano de paz é aínda realizável ?

Tenho proposto tantos! O melhor era, sem dúvida, aquele que propujera nos anos 80, solicitando que Israel anexionasse pura e simplesmente os Territórios palestinianos. Em vez disso, eles têm tomado o controlo do território, mas deixando-nos sem direitos. Também trabalhei com Ami Ayalon na solução dos dois Estados. Pugéramo-nos dacordo em seis princípios, que seleccionáramos a partir das concessões mais dorosas.  Jerusalém figurava entre esses pontos. Foi nessa época quando Mahmoud Abbas asinou a Folha ded Ruta, em 2003. Já daquela eu acreditava que era um erro.

Que preconiza você hoje em dia?

O último plano que tenho impulsado figura numa carta que enviei há seis meses a Obama e George Mitchell. Nela propunha-lhes a paralisação imediata das negociaçõés que se tivessem demonstrado inúteis: todas as questões têm sido já abordadas, só ficam por tratar os pontos irresolúveis. Em vez disso, os EEUU deveriam propôr uma solução aos problemas restantes. Cada campo submeteria esse plano a referêndum entre a sua população. A votação teria lugar o mesmo dia, e a resposta estaria condicionada à aceitação da outra parte.

Que perspectiva fica aos palestinianos?

Eu proporia a Israel que nos anexione, aceitando-nos como cidadãos de terceira categoria. Os palestinianos beneficiariamo-nos dos direitos elementais: desprazamento, trabalho, sanidade, educação, mas renunciando a todo direito político. Não seríamos propriamente cidadãos, apenas sujeitos de direito.


Entrevista em « Le Figaro », 6 de Janeiro de 2010

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